O governo brasileiro está otimista, mas isso não se reflete na opinião pública. O sentimento dominante é a vergonha e o investimento feito nos 12 estádios continua a ser motivo de contestação.
O atraso nas obras em alguns dos estádios que vão receber jogos do Mundial 2014 ainda preocupa a FIFA Rodolfo Buhrer/Reuters |
Há 100 dias do pontapé de saída para o Campeonato do Mundo no Brasil, que marcará o regresso, 64 anos depois, da maior competição futebolística internacional a solo brasileiro, o sentimento dominante na população relativamente ao Mundial 2014 deixou de ser a preocupação para passar a ser a vergonha. A conclusão surge numa sondagem levada a cabo pela Editora Abril, proprietária de vários títulos de imprensa no Brasil, entre os quais a revista Veja. Na reedição de um inquérito feito em 2011, 55% dos inquiridos confessaram sentir vergonha quando pensam na realização no Brasil do torneio. A preocupação vem em segundo lugar, com 39%, e apenas 2% sentem orgulho. Há três anos o sentimento mais citado era a preocupação (58%).
Mas, por estes dias, a despreocupação é
generalizada. É Carnaval e o Mundial passou para segundo plano. Ao ponto
de o ministério do Desporto ter optado por empreender uma operação de
charme na Europa, já que no Brasil as prioridades são de outra ordem.
Luís Manuel Rebelo Fernandes, secretário executivo do ministério, esteve
ontem em Lisboa e irá também encontrar-se com responsáveis da
Autoridade Antidopagem de Portugal, já a pensar nos Jogos Olímpicos de
2016, no Rio de Janeiro. Mas Portugal não será a única escala do
responsável ministerial na Europa. O otimismo domina a mensagem: os
preparativos estão bem encaminhados para aquela que será, tal como Dilma
Rousseff não se cansa de apregoar, a “Copa das Copas”.
“Estamos
na etapa decisiva para a entrega dos últimos estádios e preparação dos
planos operacionais das 12 cidades-sede. O grosso das obras de
infra-estruturas e mobilidade urbana será entregue entre Março e Maio”,
garantiu Rebelo Fernandes. O mesmo responsável justificou os atrasos na
conclusão dos recintos (cinco estádios ainda estão em obras) com as
“dimensões continentais” do Brasil e a diversidade de entidades
envolvidas em cada uma das obras, dos vários níveis de governo às
autoridades civis. “Organizar um Mundial é difícil”, rematou o
secretário executivo do ministério brasileiro do Desporto.As dificuldades estão à vista. A 100 dias do Brasil-Croácia que marcará o arranque do Campeonato do Mundo 2014 ainda há muito por fazer. São vários os cartões amarelos e vermelhos mostrados pelo Sindicato Nacional da Arquitetura e da Engenharia no ponto de situação do andamento das obras de mobilidade urbana e aeroportos. Uma avaliação que tem reflexo na opinião pública: voltando à sondagem da Veja, se em 2011 88% dos inquiridos acreditava que nem todas as obras ficariam prontas a tempo, agora são 94% a admitir esse cenário. Derrapagens A fatura do Mundial 2014 sairá muito mais cara do que o inicialmente previsto. A mais recente previsão aponta para um total de 26 mil milhões de reais (oito mil milhões de euros). E uma fatia considerável desses custos será suportada pelos cofres públicos. “O Mundial é uma oportunidade para alavancar o desenvolvimento e investir em infra-estruturas necessárias. Queremos fazer de cada cidade-sede um pólo de desenvolvimento”, vincou Rebelo Fernandes. Contudo, o discurso governamental nem sempre foi neste sentido. Em 2007, quando foi atribuída ao Brasil a organização do Campeonato do Mundo, o então ministro do Desporto, Orlando Silva (afastado por Dilma Rousseff em 2011 devido a suspeitas de corrupção), dizia que não seria gasto “um centavo” de dinheiro público. “Os estádios para o Mundial serão construídos com dinheiro privado”, vincava. Mas a realidade desmentiu-o: apenas três dos 12 estádios são privados, e mesmo nesses foram precisas garantias governamentais para assegurar financiamento. Na sondagem da Veja houve 94% de respostas negativas à pergunta: “Você é a favor do uso de dinheiros públicos para construir ou reformar estádios para o Mundial?” Esta tem sido uma questão particularmente sensível para a sociedade brasileira. Os protestos anti-FIFA que estiveram nas ruas durante a Taça das Confederações em 2013 (espécie de evento-teste para o Mundial) multiplicaram-se, com palavras de ordem a defender o investimento na saúde, educação e transportes. Uma sondagem da Confederação Nacional do Transporte (CNT) mostrou que 75,8% considera desnecessários os investimentos para o Mundial 2014. Esse número sobe para 80,2% quando se fala nos 12 estádios que vão acolher o torneio: os investimentos “poderiam ter sido utilizados para melhorar outras áreas mais importantes”, conclui a CNT. No mesmo inquérito admitem-se como quase certas manifestações durante o Campeonato do Mundo — 85,4% acha que haverá protestos, tal como aconteceu na Taça das Confederações. Mais interessante é que a sondagem tenha mostrado que apenas 26,1% apoiaria a candidatura do Brasil à organização do Mundial se a atribuição fosse feita agora. “Quem diria, virei maioria”, escreveu Tostão, campeão do mundo pelo Brasil em 1970, numa crônica. Mas o fato está consumado e a 100 dias do início do Campeonato do Mundo ainda há muito para fazer. Mas, claro, só depois do Carnaval. |
Fonte: www.publico.pt
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