Pernambuco começou novembro, mês em que se celebra o dia da consciência negra, dando visibilidade a um tema sensível à comunidade afro-brasileira: a intolerância religiosa. No último dia primeiro, o Recife recebeu a décima edição da Caminhada dos Terreiros, quando milhares de seguidores e simpatizantes de religiões de matriz africana reuniram-se para exigir respeito aos seus credos. A presidente do Conselho Estadual de Políticas de Igualdade Racial, Mãe Elza, falou sobre a motivação em participar do evento. “Trazer a paz e o conhecimento da nossa tradição porque a nós foram colocados vários estigmas que são equivocados, como adoração ao satanás, ao demônio. Nós não conhecemos essa criatura. Conhecemos sim que ela pertence a outro credo. Não é nosso, não está nos nossos cultos.”
A articulação desses grupos tem justificativa: são eles as principais vítimas de preconceito religioso no Brasil. Relatório sobre Intolerância e Violência Religiosa da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República aponta que 27% das denúncias recebidas entre 2011 e 2015 tiveram como vítimas os adeptos de religiões de origem africana. Em segundo lugar estão os evangélicos, com 16% das ocorrências, seguidos por católicos, com 8%. O relatório mostra, também, que as denúncias estão crescendo. 2015 registrou um número 273% maior que as queixas do ano anterior. Ainda assim, os registros são considerados baixos, com cerca de mil denúncias contabilizadas em cinco anos.
Testemunhos apontam não para um ambiente de tolerância religiosa no País, mas para a subnotificação. Em Pernambuco, por exemplo, foram registradas dez queixas em 2015 e, até setembro deste ano, apenas quatro. Pai Ademir, babalorixá do terreiro Ilê Axé Ofárómin, no Recife, é uma vítima que ficou fora da estatística. “Estávamos fazendo a festa da pomba gira e no término da festa, estive na casa da minha mãe e ela me falou que tinha recebido uma ligação para o celular dela dizendo que o horário já estava avançado… Se não parassem de bater naquele minuto, eles iriam chegar e acabar debaixo de tiro.”
Para o coordenador do Observatório Transdisciplinar das Religiões da Universidade Católica de Pernambuco, Gilbraz Aragão, a intolerância contra essas religiões está ligada ao preconceito racial. “Reflete uma negação da distribuição dos bens comuns. Valores cristãos são usurpados para se matar deuses e deusas dos índios e negros e depois tirar suas terras, desarticular suas lutas por direitos e dignidade. Em Pernambuco tivemos vários terreiros apedrejados, incendiados, além de muita violência simbólica.”
Técnica de Política de Igualdade Social do Estado e representante do Movimento Negro Unificado, Marta Almeida aborda as consequências de se vivenciar, diariamente, atos de intolerância e preconceito. “Esse racismo, essa discriminação doem e chegam a matar. Nosso povo fica com doenças mentais, depressão, sai do emprego, abandona a escola. Porque é difícil viver com essa perseguição. Perseguição à sua vestimenta, à sua alimentação, à sua maneira de falar e de agir. Toda uma circunstância que precisa ressignificar.”
Gilbraz Aragão acredita que o combate à intolerância passa pelo conhecimento das tradições negras e por um ensino religioso abrangente, que não privilegie uma crença. “Cabe à comunidade educativa refletir sobre as diversas experiências religiosas que estão no entorno da escola. Analisar o papel dos movimentos e tradições religiosas na estruturação e na manutenção das culturas, rompendo com relações de poder que encobrem as discriminações e os preconceitos.”
No Brasil, a liberdade religiosa está assegurada pela Constituição. A intolerância por motivo religioso é considerada crime de ódio desde 1997 por uma lei federal. A norma prevê penas que podem chegar a três anos de prisão e multa para quem praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, etnia ou religião.
Rádio Alepe
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